Postado em 31/05/2021 01:38 - Edição: Bruno Wisniewski
Por Psic. José Luiz Nauiack (CRP-08/17235), Psicólogo que atua como voluntário no HC/UFPR no Ambulatório da Síndrome de Down
Texto originalmente publicado na Revista Contato março/abril 2021. Acesse: https://crppr.org.br/revista-contato/134/
Desde 2007, o dia 2 de abril foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para celebrar o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. A data tem como principais objetivos difundir, promover e ampliar o conhecimento a respeito do Transtorno do Espectro Autista, combatendo o preconceito ainda existente contra o público portador de tal síndrome.
Ocorre que um dos principais desafios relacionados à promoção da qualidade de vida para pessoas com autismo, bem como para os familiares, está justamente nessa superação de barreiras capacitistas e psicofóbicas, presentes em nossa sociedade e que tendem a ver a questão da deficiência ou do transtorno mental como algo a ser eliminado, promovendo sistematicamente a exclusão desses indivíduos. Via de regra, o Estado desempenha um papel assistencialista ou tutelar, restringindo-se a ofertar benefícios ou a tratar da questão como se estivesse lidando com “infra-humanos”, ou seja, pessoas que precisam de ajuda para eliminar sua fonte de sofrimento (a deficiência ou o transtorno, nessa concepção) e, aí sim, tornarem-se humanos.
As(Os) profissionais de Psicologia, produtos e produtores que também são dessa sociedade, não estão imunes a reproduzir essas violências no atendimento a demandas como as que estão sendo discutidas aqui, sendo, portanto, imperioso que não se perca de vista o que preconizam os Princípios Fundamentais de nosso Código de Ética, destacando-se o II, que versa sobre a importância de visar à eliminação de quaisquer formas de violência em seu trabalho, como condição para promover saúde e qualidade de vida.
O cuidado deve estar presente desde o momento do levantamento de dados, mas há um momento em particular que costuma exigir maior segurança por parte da(o) profissional, no que diz respeito a uma atuação ética, que é o de noticiar a família sobre a conclusão diagnóstica, em especial quando esta é a de algum transtorno, deficiência ou síndrome.
Por definição, é papel da(o) Médica(o) dar a notícia. E, para alguns, esse momento é igualmente difícil e sofrido. Agrava o fato de que o(a) portador(a) de uma notícia normalmente é vinculado(a) à emoção que esta provoca. Além disso, é possível que a família escute apenas “Teu filho tem síndrome de… kYzW$%#…” e, deste ponto em diante, perca-se em pensamentos e dúvidas diversas. Assim, o papel e a presença da(o) Psicóloga(o) no momento de oferecer o diagnóstico à família se faz tão relevante, visto que neste momento pode ocorrer o luto do filho sonhado e idealizado, ao mesmo tempo em que este é substituído pelo filho com futuro incerto e duvidoso.
Quem já passou ou presenciou algo semelhante fatalmente irá reviver esse momento muitas e muitas vezes, pois o sofrimento que costuma acompanhar a descoberta é intenso. Situações semelhantes às acima descritas sem dúvida tornam difícil a separação da emoção e razão. Separar o compromisso assumido – de postura firme, inabalável, segura e profissional – daquela compaixão que brota de um momento delicado.
Coração e razão precisam voar sincronizados para a mesma direção, principalmente em momentos como estes. Com uma boa preparação pode-se amenizar as consequências, tanto para quem traz as notícias quanto para quem as recebe.
Apesar de a empatia também ser uma chave para descomplicar a situação, alguns cuidados básicos podem auxiliar no momento
da notícia:
• A notícia deve ser dada simultaneamente às(aos) responsáveis;
• A notícia deve ser dada em ambiente calmo e reservado;
• A notícia deve ser dada com tempo e calma para tirar dúvidas.
Tais sugestões ressoam o que se afirma no Código de Ética Profissional da Psicologia, em seus dispositivos “g” e “h” do Art. 1º, que orientam quanto ao que e a quem informar sobre questões pertinentes ao serviço psicológico prestado.
Art. 1º
g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário;
h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho;
A conversa antecipada da(o) Psicóloga(o) com a(o) Médica(o) pode funcionar como treino para abordar a questão com as(os) pacientes, bem como perceber as emoções e permitir minimizar possíveis excessos. Se possível, estar com a(o) Médica(o) no momento da notícia reforça a parceria e demonstra às(aos) pacientes outra fonte de consulta para questões emocionais, liberando a(o) Médica(o) para questões mais técnicas que serão necessárias mais tarde.
É provável que os familiares fiquem cristalizados na primeira frase do diagnóstico e, por esta razão, é importante frisar que a notícia seja para a “Família”, pois, ao ser dada apenas para uma pessoa (seja pai ou mãe), pode prejudicar o repasse das informações que serão necessárias para o bom acompanhamento do caso.
É importante que a(o) Psicóloga(o) possa criar vínculo ou mesmo dar o apoio neste momento, pois poderá fazer diferença na forma como a criança será atendida dali para frente.
Outra questão delicada é quando mães, pais ou responsáveis mantêm a ênfase em seu próprio sofrimento, relacionando-se com a(o) filha(o) em função das limitações, doença ou características, sem perceber as possibilidades e potencialidades da criança. Em tal situação, existe o risco da instalação de uma segunda síndrome, muito mais difícil de identificar, que é a “Síndrome de Munchausen por procuração”: quando cuidadores promovem ou apoiam-se nas limitações da criança para justificar suas próprias mazelas em busca de compaixão e benefícios.
O momento mais crítico do futuro da criança está no instante da notícia, provavelmente pela forma como a família vai encarar e superar este desafio, evidenciando assim a responsabilidade das(os) profissionais que fazem os atendimentos e o acompanhamento destas famílias, em que a conduta ética tende a ser a promotora do equilíbrio entra a razão e a emoção.
Ref.: http://crppr.org.br/